Era uma vez um lugar de encanto

Desde que a praça de Mariana, o Jardim (cujo nome oficial é Praça Gomes Freire), começou a ser reformado, tentei não ser cética demais. Afinal, as mudanças de acessibilidade eram não apenas bemvindas, mas necessárias, ainda que a primeira versão entregue pela ubíqua e opaca Fundação Renova tenha sido, pra dizer o mínimo, desastrada.

Mas o tempo foi passando e de vez em quando dávamos voltas de carro em torno do Jardim. Foi ficando cada vez mais claro que, objetivamente, tudo estaria lá depois da reforma, como de fato está: bancos (até mais bancos), canteiros, laguinho, mais lixeiras. Até o histórico bebedouro para cavalos dentro de onde as crianças gostam de brincar foi reinstalado, depois de ter a pedra limpa.

Objetivamente, tudo está lá, o Jardim está em seu lugar. E, no entanto, nada continua como antes. A cada passeio que fazíamos, me vinha à mente a ideia de shopping. A Renova, essa fundação criada para dar uma aura de reparação mas para, na prática, negar e intimidar quem perdeu tudo na catástrofe da Barragem do Fundão, se esforçou para transformar a praça central de Mariana, tão distinguível em sua singeleza (tanto que foi até cenário recente de novela, ela, a praça), em um espaço qualquer de shopping, com aquela iluminação padronizada, a abundância de granito reluzindo pra todo lado, bancos novos e lixeiras, e qualquer sinal de temporalidade e historicidade apagado. Lá se foi a pintura azul do fundo do laguinho, substituída pela brancura das pedras novinhas, sem personalidade. Lá se foram ao chão várias árvores (talvez estivessem mortas, dirão, mas eu não tenho nenhum motivo e retrospecto para acreditar nas palavras da Renova). Lá se foi a pintura caiada das muretas, de aspecto decisivamente pitoresco e antigo. Antiquado, até. Era assim a praça.

No último domingo, passamos novamente de carro pela praça. E foi então que me vieram duas palavras: a primeira é assepsia. Deixaram o espaço limpinho, arrumadinho. Sem graça, sem vida, sem elan e sem aura. É uma praça de Mariana mas podia ser a praça de qualquer lugar em qualquer canto do mundo, tamanha sua pasteurização urbanística. A segunda é gentrificação, esse movimento de deixar tudo muito ordenado – ordeiro, bem à cara de certa burguesia que tampa o nariz para tudo que tem marca, história, imperfeição. Um capitalismo que reforma praças e as deixa brilhando para deleite do público enquanto arrasa ecossistemas, diante da apatia pública.

Essas coisas todas me passavam pela cabeça e eu as achava realmente muito importantes, até que Cecilia falou:

Não tem mais lugar pra brincar de esconde-esconde.

Não, não tem. E não importam a assepsia, o ar de shopping, a gentrificação. A rua já é um lugar inóspito para as infâncias, com seus carros, ônibus, emergências e acidentes. Sem nenhum acolhimento para quem vê, a rua, mais perto do chão. O Jardim era isso mesmo, um jardim, um respiro e refúgio no espaço público. Ao ouvir aquilo, me cortou o coração saber que minha filha e centenas de crianças não terão mais a floresta indomada do Jardim pra se esconder e criar fantasias de mistério, perseguição e descoberta.

Atrás das plantas enormes, das árvores majestosas. Tudo se foi. Tudo agora é falsa transparência, e o que as crianças viam na praça era o encanto que tem desaparecido progressivamente do mundo, que teimava em persistir aqui e ali, mas que a máquina capitalista, nossa máquina minerária mineira, passou por cima com a retroescavadeira.

Chamem-me de nostálgica, não dou a mínima. Já faz tempo o suficiente que a história demonstra que o futuro não significa progresso, apenas barbárie.

Foto da Ticiane Gomes, que também não reconhece mais o lugar de seus afetos.

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